Cure o mundo (Glosa)
MOTE Cure o mundo Faça dele um mundo melhor Para você e para mim E toda raça humana (Michael Jackson) Cure o mundo Levando toda doença e mal Deixar de ser tão imundo Que venha da Luz, o sinal Que tenha mais honestidade Faça dele um mundo melhor Que tenha mais fraternidade Não deixe que mude para pior Que seja um mundo assim Muito bom para habitar Para você e para mim E que Deus venha abençoar Um mundo cheio de esperança Em que Paz e Amor emanam Para nós ser de confiança E toda raça humana _____________________________________ Amo música de Michael Jackson, que tem essa estrofe ________________________________________________ COMO COMPOR GLOSA
GLOSA A Glosa é uma forma de poema utilizada que, foi primeiramente registada em Português, no “Cancioneiro Geral” de Garcia Resende (1536), que colecionou 880 poemas. Um dos formatos é a cantiga, com um mote de quatro ou cinco versos e uma glosa de oito ou dez. Composição poética de origem peninsular, constituída por uma estrofe inicial, onde é apresentado o tema (mote), seguida por tantas estrofes quantos os versos apresentados na estrofe inicial e devendo ser estes incluídos sucessivamente, um a um, no final de cada estrofe, para desenvolvimento do tema da composição, que é sobretudo amoroso.
O termo glosa é sinônimo de volta e que este possui três modalidades diferentes: ora de composição poética; ora de verso, que se repete no final das estrofes que glosam o mote; ora, já numa extensão de sentido, de estrofes, que desenvolvem o tema do mote nas cantigas e nos vilancetes. Estrofe onde é recuperado e explicado um determinado tema apresentado num mote que é colocado no início do poema e do qual pode repetir um ou mais versos em posição certa, como um refrão. A glosa prolifera como estrutura formal da poesia lírica do séc. XV, designando as estrofes da poesia obrigada a mote, que desenvolviam o tema proposto por este. Inicialmente, fazia parte de composições poéticas breves, como o vilancete, que apresentava uma ou mais glosas de sete versos, ou como a cantiga, que apresentava uma glosa de oito ou dez versos. O verso utilizado era o heptassílabo e, menos frequentemente, o pentassílabo. No entanto, segundo Le Gentil, progressivamente, a glosa deixou de ser exclusivamente composta a partir de um mote de dois ou três versos, podendo retomar uma cantiga, um vilancete inteiro, ou mesmo um rimance. O poeta devia repetir e explicar sucessivamente cada verso de uma destas composições, criando um novo poema de tamanho variável. Em cada estrofe da nova composição poética, podiam reaparecer um ou dois desses versos, colocados em qualquer posição, com a condição desse local permanecer fixo até ao seu final. Normalmente, citavam-se dois versos por estrofe, um no meio e outro no fim, podendo existir outras combinações, como por exemplo, um verso no princípio e outro no meio, ou os dois no fim. Quando apenas um verso era retomado, podia surgir em qualquer posição da estrofe, embora fosse mais usual o seu reaparecimento no final. Deste modo, a extensão da glosa dependia do modelo selecionado pelo poeta e do número de versos da composição glosada. MOTE NO FINAL
MOTE "Devagar, como fogo de monturo, a saudade invadiu meu coração". GLOSA Na fazenda, nasci e me criei, peraltava e fazia escaramuça, morcegava, no campo, a besta ruça, jararaca até mesmo já matei. Não me lembro da vez em que acordei assombrado com tiros de trovão, pinotava da rede para o chão e saía correndo pelo escuro. Devagar, como fogo de monturo, a saudade invadiu meu coração". (Carlos Severiano Cavalcanti) ________________________________________ SILÊNCIO MOTE Chorar é lindo, pois cada lágrima na face são palavras ditas de um sentimento calado. (Mario Quintana) GLOSA Diversos rostos ganharão luzes e alegria, através de escritos de poetas ímpares, legados que embelezam meu dia a dia e transmitem sonhos e afeto aos pares. Terna sensação de encanto e magia adentrou meu Eu por ações singulares. Autor e obra, em esplendoroso enlace, muito me emocionaram ao ser jubilado. Chorar é lindo, pois cada lágrima na face são palavras ditas de um sentimento calado. (Ilda Maria Costa Brasil) ________________________________________ MOTE EM VERSOS SEPARADOS MOTE "Por esses caminhos venho pedaços de mim deixando". GLOSA Nem juntos arte e engenho de Camões podem cantar como em vão a tropeçar por esses caminhos venho. O amor para mim é lenho que em meio aos lobos em bando, aos trancos vou carregando e a cada mulher que passa sou tragado na fumaça, pedaços de mim deixando. ("Aos trancos e barrancos" - Zé Barreto) ___________________________________ SOLIDÃO NA MONTANHA MOTE Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Carlos Drummond de Andrade GLOSA Decepções, chorei junto a um cipreste-caduco por perda dolorosa, óbito prematuro. Estando só, senti medo quanto ao amanhã. Não serei o poeta de um mundo caduco. Essa insegurança deixou-me escapar chances. Por fugir do real, fui visto como maluco e também, por muitos, como infantil e imaturo. Custei para aceitar o que originou os lances que me induziram a solidão na montanha. Também não cantarei o mundo futuro. (Ilda Maria Costa Brasil) MOTE MIGRANTE No início do século XXI, o poeta Paulo Camelo apresentou uma variação em glosa que ele denominou Glosa com mote migrante, um poema com mais de uma estrofe (de duas a cinco), onde o mote, em dístico, aparece em posições diferentes, ascendendo nas estrofes das últimas para as primeiras posições. No entanto, a migração, de forma mais rara, pode não seguir esse sentido, com os versos do mote aparecendo em posições diversas em cada estrofe.
VELHA REDE
MOTE “Eu deixei minha rede lá na sala e parti com vontade de voltar.” ("Despedida" - Carlos Severiano Cavalcanti) GLOSA Madrugada, inda noite, a Estrela Dalva a brilhar como sol no firmamento... Eu parei no portão por um momento e voltei caminhar sem mais ressalva. A saudade cravou-me o seu punhal, vacilei, mas tornei a retomar a dorida jornada para o mar sem vontade, talvez, de completá-la. Eu deixei minha rede lá na sala e parti com vontade de voltar. Esse mito invadia o meu pensar quanto eu mais caminhava: a capital era a meta, o destino, e era o mal que tirou-me o refúgio do meu lar. O meu peito eu senti a palpitar e segui nesse afã de conquistá-la. Eu deixei minha rede lá na sala e parti com vontade de voltar mas não mais retornei. E o meu cantar toma o peito e sufoca a minha fala. Atirei meu casaco sobre a mala, e me pus novamente a caminhar. Essa longa jornada para o mar escondeu do meu rosto o riso, a fala. Eu deixei minha rede lá na sala e parti com vontade de voltar. Precisava, entretanto, trabalhar pra poder ser alguém, ganhar a vida e ter mais liberdade. Essa ferida em minh’alma eu não sei se vai sarar. Hoje eu vivo saudoso, a meditar e, se penso na rede, o peito cala. Eu deixei minha rede lá na sala e parti com vontade de voltar. Outra rede me embala em frente ao mar e do mar ouço um som que acaricia. Esse mar me roubou, porém, um dia, o aconchego do lar, o som da rede. Essa água não mata a minha sede e a saudade feroz não alivia. Eu deixei minha rede lá na sala e parti com vontade de voltar a comer rapadura e degustar água fresca, poder saboreá-la e sentir-lhe a pureza. A minha mala inda espera, silente, a decisão de voltar a meu lar, a meu torrão sob o sol causticante. Mas aqui fica um pouco de mim. Aqui vivi outra vida e prendi meu coração. (Paulo Camelo) __________________________________________ ENTRE UMA E OUTRA TRAVESSURA MOTE Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas a alegria. (Gregório de Matos) GLOSA De afetos intensos florescem luzes. Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura. Em minhas buscas, uso de ousadia. Paciência é saber de bons aprendizes. Flores campestres adornam caminhos. Perplexos, coibidos coraçõezinhos clamam por fim a ideia dolente e obscura. Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura. O Sol e a Lua, entre uma e outra travessura, dão fim a obstáculos, mágoas e medos. Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura. e, leda, surge por trás dos rochedos. Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura. Frente às muitas amarguras da vida, ações despertam, com sabedoria, moderação; e fazem-me precavida. (Ilda Maria Costa Brasil) Observação: O mote era, geralmente, um dístico, ou seja, composto por dois versos, podendo também ser a partir de uma estrofe de quatro versos. A glosa continuou a sofrer transformações durante a Renascença, começando a ser constituída por um mote de quatro versos que lhe servia de introdução e quatro estrofes de dez versos cujo último verso era a repetição de cada um dos versos do mote inicial, mantendo a medida velha.
SILÊNCIO E LÁGRIMA
MOTE A lágrima silenciosa ninguém lhe presta atenção, por isso é mais dolorosa quando inunda o coração! (Fernando dos Santos) GLOS: A lágrima silenciosa abre sulcos em nossa alma, ela é sutil, misteriosa e nos tira toda a calma. Por ser assim. sorrateira, ninguém lhe presta atenção, rola e se esconde, ligeira num grande mar de emoção. É uma lágrima teimosa que machuca de verdade, por isso é mais dolorosa e causa infelicidade. Sofremos intensamente na maré da solidão, com essa lágrima dolente quando inunda o coração! (Gislaine Canales) _____________________________________________ INSIGNES SENTIMENTOS MOTE Se me ponho a cismar em outras eras Em que ri e cantei, em que era querida, Parece-me que foi noutras esferas, Parece-me que foi numa outra vida... (Florbela Espanca) GLOSA Se me ponho a cismar em outras eras é pelos atuais acontecimentos. Faço de atos e gestos primaveras, movida por insignes sentimentos. Onde amenizei dores com comédias, Em que ri e cantei, em que era querida; entretanto, sofro frente às tragédias. Pelas ações, a uma ONG fui inserida, Por nortearem meus dias lindas quimeras, tornei-me uma exímia voluntária. Parece-me que foi noutras esferas, que, plena de afeto, fui solidária. Ah! Em um floral parque, conheci um mago, o qual falou: – Por partir estás ávida. Calma, muitos aguardam teu afago. Parece-me que foi numa outra vida... (Ilda Maria Costa Brasil) Observação: Mais tarde, especialmente em Espanha, durante o Século de Ouro, a glosa continuou a ser uma forma poética bastante utilizada, através da qual os poetas demonstravam grande perícia intelectual e verbal, combinando conceitos subtis e figuras de retórica. Tendo sido ignorada pelo Romantismo, esta forma de discorrer sobre um determinado período.
Norma Aparecida Silveira Moraes
Enviado por Norma Aparecida Silveira Moraes em 18/04/2020
Alterado em 23/04/2020 Copyright © 2020. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |